Cronicas
A ótica da liberdade
Jacira Fagundes
Uma forma de trazer à reflexão o sentido da palavra liberdade, talvez seja começar pelo significado que nos dá o dicionário. Assim define o Aurélio: liberdade é a faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação.
Ou quem sabe assegurar-nos na filosofia. De Sócrates, a partir do crucial conhece-te a ti mesmo, algo bastante difícil, vem o conceito que afirma que o homem livre é aquele que consegue dominar seus sentimentos, seus pensamentos e a si mesmo.
Já à primeira leitura, nos deparamos com uma possível contradição. Como assim? Se eu decido ou ajo segundo as condições que me são próprias para determinar isto ou aquilo, que história é esta que devo dominar a mim mesmo, inclusive meus sentimentos e pensamentos? Sou livre pra fazer o que quero ou sou policiado por mim mesmo e devo retroagir naquilo que desejo? E o outro? E os demais?
Ah, sim. Liberdade não é algo tão simples quanto parece ao homem comum. Onde e quando ela se dá de forma ideal, num espaço e num tempo ajustado unicamente a cada um? Nunca! Porque ali adiante, bem na nossa mira, existe o outro que pensa igual a nós quanto ao uso de sua liberdade de agir, da liberdade dele que em igual medida ele comanda. Nossa liberdade então é tolhida, dificultada, ameaçada pela visão do outro. Não existisse o outro que nos confronta... Pensa que seríamos felizes? Não, de maneira alguma. Porque, sem a presença do outro, perdemos nosso espaço no mundo real. Pior, passamos a escravos de nós mesmos, isolados e infelizes.
A verdade é que somos livres em dado momento e em outro, contíguo, já somos vulneráveis. O medo de ser ridicularizado em nossos discursos e opiniões, não compreendido em nossos atos, não aceito em determinados grupos, costuma tolher nossa liberdade. Então hesitamos. A fuga é para o uso de uma máscara que nos fará aceitos e adaptados à nossa própria falsidade.
No fundo, bem no fundo de nossa alma, sabemos o quanto vivemos dentro desta jaula que se chama sociedade. Nenhum ato é totalmente livre. O olhar do outro que muitas vezes não nos vê, ou nos censura, ou nos ameaça, ou ainda na melhor das hipóteses nos aprova, é infinitamente proporcional à nossa estabilidade e segurança, ou ainda à nossa vaidade. Acabamos por nos habituar às máscaras e fazer delas nossas verdades. E seguir adiante, achando-nos livres das amarras. Ingenuidade!
Porém, não estamos para sempre fadados ao insucesso em nossa liberdade. Mesmo que seja uma liberdade condicional, quer dizer livre sob certas condições temos uma grande diversidade de escolhas. Nunca estaremos isentos de aflições, de desentendimentos, de insucessos, de fracassos, mesmo dos pontos finais em nossos amores ditos eternos. Mas ao buscar o conhecimento de nós mesmos, como profetiza Sócrates, as nossas escolhas serão absolutamente livres.
Tudo começa no pensamento. É dentro do nosso pensar que somos absoluta e infinitamente livres.
Detenha o sujeito, aprisione-o, encarcere-o, amordaça-o, coloque uma venda em seus olhos, e você não o impedirá de pensar. Porque é no pensamento, e somente nele, que vivenciamos a total liberdade. Dali, para as escolhas entre o bem e o mal, entre a condenação e a absolvição, entre a farsa e a verdade, entre o justo e o injusto, entre a consciência e a inconsequência, entre a felicidade e a desdita, é caminho de cada um.
Que seja ou não louvável, faz parte de escolhas.
Esta crônica foi selecionada no Concurso de Crônicas sobre Liberdade - Publicação da União Brasileira de Escritores - São Paulo - 2019 página 89
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